Programa ‘Contraplano’ debate problemas e direitos das comunidades quilombolas do Maranhão

Participaram o titular da SEIR, Gerson Pinheiro; os presidentes da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MA, Erik Moraes; e do Conselho de Defesa dos Direitos Humanos, Antônio Pedrosa

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Agência Assembleia
23/05/2023 16h54

Programa ‘Contraplano’ debate problemas e direitos das comunidades quilombolas do Maranhão
Jornalista Fábio Cabral entrevista Gerson Pinheiro, Erik Moraes e Antônio Pedrosa, no programa Contraplano | Miguel Viegas
Foto original

O programa ‘Contraplano’ desta terça-feira (23), na TV Assembleia, debateu sobre problemas e direitos das comunidades quilombolas do Maranhão, tendo como mote principal o fato de que o Estado brasileiro reconheceu que violou direitos de prioridade e de proteção jurídica durante a construção do Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão, na década de 1980. O caso está sendo julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (IDH) em Santiago, no Chile.

Participaram como debatedores, o secretário de Estado da Igualdade Racial, Gerson Pinheiro; o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MA, Erik Moraes; e o presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos do Maranhão, Antônio Pedrosa. O jornalista e âncora Fábio Cabral conduziu o debate.

O secretário Gerson Pinheiro lembrou que, em declaração lida durante a audiência inicial em Santiago, capital do Chile, o advogado-geral da União, ministro Jorge Messias, apresentou um pedido público de desculpas pelas violações. O documento reconhece 152 comunidades do Maranhão representadas no caso como sendo remanescentes de quilombos.

Segundo Gerson Pinheiro, é a primeira vez que o Estado brasileiro é julgado por um caso envolvendo quilombolas. Também é o primeiro caso em que as Forças Armadas são confrontadas num tribunal internacional.

A denúncia, segundo Gerson Pinheiro, foi apresentada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 2001 por representantes de comunidades quilombolas do Maranhão, o Movimento dos Atingidos pela Base de Alcântara (MABE), a Justiça Global, a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Maranhão (Fetaema), o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Alcântara (STTR) e a Defensoria Pública da União (DPU).

O presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos do Maranhão, Antônio Pedrosa, explicou que as violações denunciadas são decorrentes da instalação da base de lançamento de foguetes da Força Aérea Brasileira, bem como pela omissão do Estado brasileiro em conferir os títulos de propriedade definitiva para os quilombolas. Além das desapropriações e remoções compulsórias, a perda do território impactou o direito à cultura, alimentação adequada, livre circulação, educação, saúde, saneamento básico e transporte de uma centena de comunidades quilombolas.

Para o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MA, Erik Moraes, “o que está sob julgamento da Corte Internacional, em verdade, é a capacidade de o Brasil respeitar ou não normas e decisões internacionais e brasileiras que há muito consolidaram os povos e comunidades tradicionais como sujeitos de direitos próprios, cujo respeito deve ser permanente”.

Para a OAB/MA, ao longo de duas décadas de tramitação só processo na CIDH, o governo brasileiro teve diversas oportunidades de reconhecer e reparar as violações, mas não o fez. Os quilombos de Alcântara ainda não contam com títulos de propriedade coletiva sobre os seus territórios tradicionais. Em janeiro deste ano, o caso foi apresentado à Corte.

Entenda o caso

O projeto do Centro de Lançamento de Alcântara começou a ser elaborado ainda na década de 1970, pela Força Aérea Brasileira. Durante sua construção, já na década de 1980, foram desapropriadas de suas terras 312 famílias de 32 povoados que compõem o território étnico de Alcântara. Essas comunidades foram reassentadas em sete agrovilas e enfrentam até hoje os impactos nos sistemas alimentares e de renda.

Já os grupos que permaneceram em seus territórios tradicionais estão desde então sob constante tensão e ameaças de novas expulsões para expansão da base aérea pelo litoral, com projetos planejados e/ou executados pelo Estado nos últimos anos, repetidamente alheios à população local. A situação gera uma enorme insegurança sobre o futuro das várias comunidades.

Entre as violações mais recentes, destaca-se a ação arbitrária no território em 2008, o que levou as lideranças de Alcântara a denunciarem o Estado à Organização Internacional do Trabalho (OIT), por meio do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, por descumprimento da Convenção 169 no Projeto Alcântara Cyclone Space – Acordo de Cooperação Tecnológica Brasil-Ucrânia. As empresas contratadas invadiram e depredaram roças das comunidades de Mamuna e Baracatatiua na tentativa de implantar outros três sítios de lançamento de aluguel.

Em 2019, o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas firmado pelo governo de Jair Bolsonaro com os Estados Unidos, com finalidades comerciais, ignorou até mesmo a recomendação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos feita na segunda audiência sobre o caso de realizar estudo e consulta prévias aos quilombolas.

No ano seguinte, em meio à pandemia de Covid-19, o Governo Bolsonaro determinou novas remoções para tal projeto – que afetariam ao menos 800 famílias, principalmente das comunidades de Mamuna e Canelatiua. O despejo, no entanto, foi suspenso pela justiça e, após o Senado dos EUA vetar o uso de dinheiro do país para a remoção das comunidades quilombolas, o Brasil revogou a resolução.

Pedidos das peticionárias

A denúncia foi considerada admissível pela CIDH em 2006. No relatório de mérito emitido em 2020, após duas audiências (em 2008 e em 2019), a Comissão recomendou que fosse feita a titulação do território, a consulta prévia em relação ao acordo firmado junto aos Estados Unidos, a reparação financeira dos removidos compulsoriamente e um pedido de desculpas público. Nada disso foi cumprido até agora. Diante da gravidade dos fatos, em janeiro de 2022, a Comissão Interamericana levou o caso à Corte.

O pedido de titulação das terras está em aberto antes mesmo da denúncia e o processo está pronto para assinatura do Executivo Federal desde 2008, sem, no entanto, qualquer sinalização de encaminhamento, o que compromete ainda mais a garantia das formas tradicionais de organização e vida. As comunidades foram certificadas pela Fundação Cultural Palmares em 2004 e identificadas e delimitadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em 2008.


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